"Não podemos ser incoerentes com o que pregamos", afirma dom Leomar sobre probição de bebidas alcoólicas e bailes nas paróquias

Foto: Vinicius Becker (Diário)

Na sede da Arquidiocese, o arcebispo detalhou os objetivos pastorais da medida que restringe festas com bebida e música nas igrejas.

“Superou a expectativa. Superou positivamente.” Foi assim que dom Leomar Brustolin, arcebispo de Santa Maria, resumiu os sete meses de aplicação das novas regras nas paróquias da Arquidiocese de Santa Maria. A medida, adotada em janeiro de 2025, no contexto do Ano Jubilar, proibiu a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em festas organizadas pelas comunidades católicas da região.

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Dom Leomar relembra que a decisão foi baseada nas diretrizes da própria Igreja Católica no Brasil. Segundo ele, o impacto foi sentido diretamente na forma como as famílias passaram a participar dos eventos. As festas, segundo ele, tornaram-se mais acolhedoras:

— Conseguimos aplicar, na prática, as diretrizes da Igreja no Brasil, que é o documento 100 sobre comercialização de bebida de álcool. E posso dizer que, após sete meses, foi uma surpresa. Foi muito bom, está sendo muito bom. Nós conseguimos envolver mais pessoas na igreja, especialmente crianças e jovens. E nas festas vêm mais famílias que ficam até o fim. Porque antes, quando a música começava um pouco mais alta, começava algum problema, elas saíam mais cedo — conta.

O fator econômico

Uma das principais preocupações no início do processo era o impacto econômico. Muitas comunidades dependiam das festas para arrecadar recursos e sustentar suas atividades. Mas, conforme dom Leomar, os resultados financeiros foram muito melhores do que o esperado, inclusive em relação aos de 2024:

— Aqui, foi a surpresa que nós não esperávamos. Em muitos casos, dobrou a renda e, em muitos casos triplicou. Nós temos dados. Uma que outra, realmente, um pouquinho menos, mas não houve problema econômico nenhum. Nenhuma paróquia relatou: “olha, nós estamos com problemas nesse sentido”. Os problemas foram de outra ordem, mas em número de pessoas aumentou. Aumentou na missa e aumentou na festa e no almoço. E nas apresentações à tarde, porque a questão cultural melhorou muito, foram muito criativos – acrescenta o arcebispo.

O aumento na arrecadação também foi acompanhado de uma melhor organização do trabalho voluntário:

— Os voluntários que, às vezes, tinham que trabalhar até mais tarde, agora eles vão mais cedo.

“Nós não podemos ser incoerentes com o que pregamos”

Além do ganho financeiro e da maior presença de famílias, dom Leomar destaca que as festas paroquiais passaram a ser mais criativas e humanas. De acordo com ele, há uma transformação cultural em curso. 

O arcebispo cita diversas ações diferentes implementadas pelas comunidades:

— Por exemplo, comunidades que chamaram grupos teatrais para interagir com o público que ficou até depois do almoço. Com relação às apresentações de bandas, buscaram bandas dos militares, bandas de escolas, grupos tradicionais gaúchos, belíssimos, com aquela bela cultura que temos dos gaúchos. (...) Depois, também fizeram gincanas com as três gerações no salão. Teve tanta criatividade que, no fundo, a gente ficou impressionado. Pensamos: o nosso povo sabe o que fazer”. Se buscou muito, por exemplo, o festival de prêmios com humor, com brincadeiras. [...] As festas precisam ser mais criativas, tem muito mais criatividade. Tudo está inovando – avalia o religioso.

Em uma das festas, ele lembra que o número de participantes cresceu consideravelmente:

— Esses dias, uma comunidade que estava acostumada a ter 600 pessoas no almoço, conseguiu mais de 850. Sem os números, dizem que o bispo está forçando um pouco. Não, vão nas comunidades.

Idosos e netos juntos

Uma das críticas levantadas foi sobre o impacto da medida entre idosos. O arcebispo garante que, ao contrário do que se pensava, eles são hoje alguns dos mais entusiasmados com as mudanças:

— Eles estão muito contentes, porque, agora,  os netos estão com eles, convivendo e se divertindo. Esses dias, uma comunidade me disse: “olha, todas as pessoas da terceira idade, com os netos e com os filhos, estão fazendo uma atividade cultural e até de diversão no salão”. Antes, era separado, criança e jovem não ficavam nesses bailes. Fico muito feliz, porque a nossa ideia não é excluir ninguém, é integrar, mas com uma forma que seja coerente com aquilo que pregamos. Nós não podemos ser incoerentes com o que pregamos.

Críticas são normais, mas a decisão tem base nacional

Para o arcebispo, é natural haver resistência às mudanças.Foto: Vinicius Becker (Diário)

Na avaliação do arcebispo, os problemas mencionados são, principalmente, quanto às críticas que surgiram logo após o anúncio da medida e à resistência de parte da população diante das mudanças.

- As críticas de pessoas que não concordam são normais, e é possível não concordar, tranquilo. Mas eu queria lembrar quando apareceu a lei seca e quando proibiram os estádios de comercializar a bebida de álcool, deu muita polêmica. Nós entendemos que a polêmica é normal. Conheço todos os meus irmãos bispos, o quanto apanharam também quando tomaram essa decisão. A gente tem que aceitar que as pessoas não compreendem o espírito do que está por trás. E podem também algumas pessoas ter outros motivos para nos criticar, que não seja só a questão da festa. Mas, geralmente, não são nem católicos praticantes. E também são pessoas mais ligadas ao salão do que a igreja - avalia o arcebispo. 

Questionado sobre resistências ou descumprimento da medida, dom Leomar foi direto.

— Todas as paróquias seguem uma normativa. Isso não é opcional, porque nós tomamos a decisão junto com o padre. Eu não duvido que alguma comunidade do interior, às vezes, quando o salão não é da igreja, o salão é uma associação, tenha acontecido (festas com bebidas e baile). Não temos ingerência sobre isso. Mas onde é católico, da igreja e o espaço e tudo é ligado à igreja, é uma diretriz, eu diria nacional — afirma o arcebispo.

E completa: 

— Não é o bispo. No Brasil, tudo isso já acontece. Até quando comentei das polêmicas que estavam por aqui, os bispos do Nordeste e do Sudeste disseram: “ mas vocês, no Rio Grande do Sul, estão atrasados, porque essa decisão foi tomada há 10 anos.

2026 ainda será discutido

Sobre o futuro da medida, dom Leomar explicou que ainda não há uma decisão definitiva:

— A decisão é para o ano jubilar. Temos o conselho, reúne-se todo mês. O conselho tem padres, leigos, religiosos e representantes dos 26 municípios no conselho. Certamente, antes do fim do ano, você vai estudar isso para ver qual vão ser as futuras decisões, mas não temos nada definido ainda.

Contudo, ele projeta os planos.

— Nós, aos poucos, queremos trazer uma nova cultura de proximidade, família e humanização para a região. E isso é o que queremos — finaliza o arcebispo. 

A entrevista ocorreu no Arcebispado de Santa Maria, na Rua Silva Jardim, 2035, onde dom Leomar recebeu a reportagem.Foto: Vinicus Becker (Diário)



Ano Jubilar de 2025

A norma polêmica foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Arquidiocesano de Pastoral em 19 de outubro de 2024. À época, dom Leomar explicou que a decisão seguiu orientações do papa Francisco – falecido em abril deste ano – para o Jubileu da Esperança, um evento que marca os 2025 anos da era cristã e que, segundo bula papal Spes non confundit ("a esperança não engana"), convida os fiéis a viverem um período de espiritualidade, reconciliação e indulgências.

— O contexto é o grande Jubileu de 2025, quando nós celebraremos 2025 anos da era Cristã. Papa Francisco, numa bula chamada Spes non confundit, que quer dizer “a esperança não engana”, pede que o ano que vem seja o ano da esperança. Além disso, também tem o Jubileu, que vem com as indulgências e, para isso, o papa fez uma série de medidas. E nós, da arquidiocese, seguimos o papa, especialmente para que o povo possa entender esse momento histórico — explicou o arcebispo, em entrevista concedida em dezembro de 2024.

A decisão, no entanto, provocou repercussões já nas primeiras semanas. Vídeos gravados durante celebrações religiosas circularam nas redes sociais, em especial trechos em que dom Leomar critica a realização de festas com “música bagaceira” e o consumo excessivo de álcool, por considerar que esse tipo de atividade não condiz com os valores da fé católica.

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Vitória Parise

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